Para não partirem as memórias ao Deus-dará, começo, só por hoje, o trabalho de guardar as escolhidas dentro de uma crônica, que também tem seu prazo de validade, já sei. Esqueço por um momento, decido, a perecibilidade da vida e vou em frente. Não é bem uma questão de nostalgia, de cultivar diferentes formas de saudades do que vai ficando, das paisagens, dos caminhos, que seja. É antes de mais nada, mais uma questão de exercício, tentativa de organização dos dias que vão passando e que, se descuidarmos vão virando um amontoado de coisas na nossa mente, gavetas, armários, diários e fotografias.
Como quem vai a algum lugar mesmo, volto a São Paulo capital. Quero resgatar lá, no meio da selva de pedras, alguma delicadeza, algo de principal para mim. Logo percebo que nem é muito difícil e começo a perscrutar os porquês. Consulto anotações, fotos, expressões que registrei em imagens e notas num caderno. O ano aqui não importa tanto porque as lembranças não respeitam mesmo a ordem cronológica das coisas, elas se embaralham. Entram pelas frestas do presente e agitam a mente feito crianças alvoroçadas querendo brincar. Flutuam sob a ordem de um tempo diverso, diferente desse tempo pautado por horas seguidinhas que serve para atravessar o dia e organizar a rotina.
A ideia de ir veio tempestivamente e apesar de parecer, aquele não era um passeio sem destino. Visitar a exposição "Desvendando o Universo Amélie Poulain" em que quinze artistas lançaram seu olhar sobre famoso filme "O fabuloso destino de Amélie Poulain" (2001), do diretor francês Jean-Pierre Jeunet, era o pretexto fundamental, para nós, uma aventura mesmo, mas longe de perigos reais. Estávamos de férias e havia ainda alguns poucos dias para gastar. As passagens estavam baratas e resolvemos comprar. Lá fomos.
Só mesmo com uma mochila de mão embarcamos no avião, Wagner e eu. Íamos com a distração daqueles que buscam com o que preencher as horas vazias de um fim de férias. Já em São Paulo, Avenida Paulista, a exposição estava instalada em cima de uma loja cuja matriz fica na França e que hoje só existe no universo virtual. As instalações físicas viraram pó, imagino, porque nunca mais voltei lá, mas vi as notícias pela internet que a loja fechou.
Voltando à exposição, a simplicidade dela foi o que de primeiro me impactou. Num café, as ilustrações dos quinze artistas coloriam as paredes. Não havia luzes, glamour, tampouco molduras pesadas ou cheias de rococó para sustentá-las. Coisa que acho bonito, mas que lá não havia. No lounge um barista atendia pessoas à mesa e decidimos sentar para tomar algo antes de imergir nas obras. Optei por um chá de citrus: laranja com abacaxi e canela. Não resistimos ao cardápio e depois do chá veio um waffle com doce-de-leite, que dividimos. Conversamos. Apreciamos nossa presença ali. A companhia das obras também. Fiquei pensando no filme de Jeunet enquanto falávamos trivialidades.
Desvendando o Universo Amélie Poulain, a exposição, enfim.
Grazielle Monica G. Pansard
No link a seguir é possível conferir a curadoria e o nome dos artistas que participaram da exposição https://catracalivre.com.br/agenda/filme-de-amelie-poulain-e-tema-de-exposicao-na-fnac-da-paulista/