quinta-feira, 21 de julho de 2022

Berlim

Em julho de 2019 chegávamos em Berlin, esse canto do mundo onde ficamos por oito dias. Bem hospedados na Ilha dos Museus, distrito de Mitte, fizemos longos passeios que nos davam à vista, o Rio Spree. Do nosso hotel podíamos ir caminhando até o Bode Museun, o Pergamón e o Neues, onde vimos o Busto de Nefertite. Era pertinho. Um dos momentos de que me recordo com vivacidade é da nossa subida a Berliner Dom por dentro, imponente catedral, que em sua torre oferece um panorama fantástico da cidade. Para chegar lá sobe-se por estreitas e intermináveis escadarias, que em formas circulares nos desequilibram o labirinto, mas a recompensa é certa. Na mesma vibe, só que com menos esforço pois se sobe de elevador, visitamos a Fernsehturm logo depois de passar pelo famoso Relógio Mundial, o Weltzeituhr, na Alexanderplatz. Foi ali que vimos, numa noite, um brasileiro teatreiro apresentar sua arte no meio da praça repleta de espectadores que se sentavam aqui e ali para assistir a sua peça. Nós também ficamos e a assistimos até o fim, como se estivéssemos em casa.  

Nosso tempo em Berlin nos trouxe momentos imprevisíveis em que ficamos absorvidos. Lembro-me aqui das espécies inusitadas de peixes e animais que vi no Aqua Dom & Cia, politicamente incorreto até, alguém poderia dizer. Da sensação que dá quando diante de um viveiro de inseto de tipo duvidoso se pára por um instante e olha; da perplexidade que se sente ao observar o modo de funcionamento de uma água-viva ou várias que flutuam no interior de um vidro gigantesco com água dentro a pouquíssimos centímetros de distância da gente. O mundo é surreal. Nem vou falar dos castelos. Do Palácio do Reichstag, do Tiergarten, do Portão de Brandemburgo. O Olympistadion. Lugares bastante comuns quando se pensa na capital da Alemanha. Não vou falar ainda do schnitzel deles que comi. Do spätzle deles também e da cerveja de banana que experimentei na Sony Plaza, bem turista. Precisaria de detalhes que não alcanço em palavras para descrever essas experiências. 

Num dia de manhã, depois de deixar o hotel, alugamos uma bike elétrica e fomos visitar um aeroporto abandonado, o Tempelhof, que serve aos berlinenses como parque. Foi o passeio de que o Wagner mais gostou de fazer, ele diz. Eu também gostei, foi bastante contemplativo. No aeroporto abandonado  observávamos o vazio enquanto não parávamos de pedalar. Era verão na Europa e fazia bastante calor. 

A viagem terminou, mas as coisas não pararam de acontecer. Poucos meses depois veio a pandemia. Também tranquei a faculdade de Letras; tive um filho; mudei de profissão; afirmei meu casamento; mandei um e-mail para um escritor que amo dizendo que eu existo e ele me respondeu; consegui fazer um bolo que a receita eu achava difícil; li livros de autores desconhecidos; investi em algumas ideias enquanto desistia de outras. Em Berlin eu só estava lá deixando que a vida fosse o que ela poderia ser. E ela foi maravilhosa. No fim eu só tinha duas ou uma certeza: quando amanhecesse voaríamos para Amsterdã. Segui em frente mesmo assim e já faz três anos. 

terça-feira, 19 de julho de 2022

19 de julho

 "Ler é como pensar, como rezar, como conversar com um amigo, como expor suas ideias, como ouvir a dos outros, como ouvir música, como contemplar uma paisagem, como dar um passeio pela praia". 

Fonte: site homoliteratus.com

Ao ler esse trecho famoso do livro 2666 do escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003) me acalmo: enquanto leio, faço muitas outras coisas também. Quantas vezes cativa de minha própria ficção, sinto-me liberta pelo ato da leitura dos livros que me rodeiam e que me abrem as portas e janelas da casa que sou. Sem mais estar encerrada, continuo a viver e vou para outros lugares, me desloco, ando por caminhos ainda não visitados, exploro, rio, choro, surpreendo-me e sinto tédio. Conheço personagens que ficam amigos - ou não, e que ajudam também a viver o mundo fora dos livros, onde, que sorte, temos amigos também. A arte cumpre seu papel. Movimento-me por entre as palavras e faço o espaço que me compreende expandir. Me coloco a praticar a vida possível, nela me reinvento, e assim sou feliz. 

segunda-feira, 18 de julho de 2022

Deriva

Sempre seria alguém que

escrever precisava de

aprender. 

Superado esse fato

continuava escrevendo. 

*

Sobre a pia a porcelana branca, lavada 

o chão da casa, varrido 

a roupa suja - posta para lavar 

arquejava de dentro da máquina.

tudo pronto:

flores enfeitando a mesa.

se havia preparado

em detalhes 

para receber 

uma alegria nova. 

*

Na manhã modorrenta

ficou recolhida dentro de um poema

e não viu quando o tempo 

sem fazer alarde passou.

Sintetizou que foi uma morte necessária, 

aquela das horas.  

*

Pois que nem tudo morre,

revelou numa crônica de

Hilda Hilst, Descida, a frase. 

E o resto do dia ainda estava lá

por graça  

entardecia, o céu, a noite, depois seu crepúsculo, 

alvorada.

Da janela de brancas cortinas de linho

se via 

o horizinte, o vinho, o jantar  

a companhia 

a criança brincando 

o chão da sala de estar

tudo lá 

correndo, correndo

a vida

por graça. 

sábado, 16 de julho de 2022

Arpejos

Foi enquanto lia

Virginia Woolf  

que vi a linha do horizonte

em página de livro se abrir 

e iluminar em tomos 

as cores do entardecer. 

*

No ontem mazelento 

tive lembranças de uma história 

   vívida - saudosa 

pois que em fôlego trôpego

o livro já lido reli do início ao fim

  e o deixei para trás. 

*

Não era bobagem.

Era minha vontade 

  de ler 

Ana Cristina César. 

*

Revisada a lista

certifiquei o carrinho de compras 

para o jantar hoje

só livros

escrito por mulheres

e um tim-tim. 

*

Com o tempo

talvez a gente 

aprenda

a aceitar os próprios limites

e aprenda

e respeitar a necessidade 

que se tem 

de escrever 

(ler entrelinhas viver)

do jeito que lhe for próprio 

mesmo que alguém 

ache graça dessa formulação 

pequena

e rindo

se ache maior

que ela.  

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Escrever e Manoel

Há dias

que escrever não consigo   

vira um tormentozinho silencioso. 

A hora que vejo passar 

em página branca 

lânguida, vazia de mim caçoa. 

Então, de quebra, resolvo tomar de empréstimo

um poema de Manoel de Barros 

para me defender deles e

tentar desafogar os sentimentos presos 

que ficam. 

(Desafoguei uma alegria sucumbida.)

.

.

"O que não sei fazer desmancho em frases. 

Eu fiz o nada aparecer. 

(Represente que o homem é um poço escuro. 

Aqui de cima não se vê nada. 

Mas quando se chega ao fundo do poço já se pode ver o nada.) 

Perder o nada é um empobrecimento."

BARROS, Manoel de. Livro sobre Nada. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 63