Em julho de 2019 chegávamos em Berlin, esse canto do mundo onde ficamos por oito dias. Bem hospedados na Ilha dos Museus, distrito de Mitte, fizemos longos passeios que nos davam à vista, o Rio Spree. Do nosso hotel podíamos ir caminhando até o Bode Museun, o Pergamón e o Neues, onde vimos o Busto de Nefertite. Era pertinho. Um dos momentos de que me recordo com vivacidade é da nossa subida a Berliner Dom por dentro, imponente catedral, que em sua torre oferece um panorama fantástico da cidade. Para chegar lá sobe-se por estreitas e intermináveis escadarias, que em formas circulares nos desequilibram o labirinto, mas a recompensa é certa. Na mesma vibe, só que com menos esforço pois se sobe de elevador, visitamos a Fernsehturm logo depois de passar pelo famoso Relógio Mundial, o Weltzeituhr, na Alexanderplatz. Foi ali que vimos, numa noite, um brasileiro teatreiro apresentar sua arte no meio da praça repleta de espectadores que se sentavam aqui e ali para assistir a sua peça. Nós também ficamos e a assistimos até o fim, como se estivéssemos em casa.
Nosso tempo em Berlin nos trouxe momentos imprevisíveis em que ficamos absorvidos. Lembro-me aqui das espécies inusitadas de peixes e animais que vi no Aqua Dom & Cia, politicamente incorreto até, alguém poderia dizer. Da sensação que dá quando diante de um viveiro de inseto de tipo duvidoso se pára por um instante e olha; da perplexidade que se sente ao observar o modo de funcionamento de uma água-viva ou várias que flutuam no interior de um vidro gigantesco com água dentro a pouquíssimos centímetros de distância da gente. O mundo é surreal. Nem vou falar dos castelos. Do Palácio do Reichstag, do Tiergarten, do Portão de Brandemburgo. O Olympistadion. Lugares bastante comuns quando se pensa na capital da Alemanha. Não vou falar ainda do schnitzel deles que comi. Do spätzle deles também e da cerveja de banana que experimentei na Sony Plaza, bem turista. Precisaria de detalhes que não alcanço em palavras para descrever essas experiências.
Num dia de manhã, depois de deixar o hotel, alugamos uma bike elétrica e fomos visitar um aeroporto abandonado, o Tempelhof, que serve aos berlinenses como parque. Foi o passeio de que o Wagner mais gostou de fazer, ele diz. Eu também gostei, foi bastante contemplativo. No aeroporto abandonado observávamos o vazio enquanto não parávamos de pedalar. Era verão na Europa e fazia bastante calor.
A viagem terminou, mas as coisas não pararam de acontecer. Poucos meses depois veio a pandemia. Também tranquei a faculdade de Letras; tive um filho; mudei de profissão; afirmei meu casamento; mandei um e-mail para um escritor que amo dizendo que eu existo e ele me respondeu; consegui fazer um bolo que a receita eu achava difícil; li livros de autores desconhecidos; investi em algumas ideias enquanto desistia de outras. Em Berlin eu só estava lá deixando que a vida fosse o que ela poderia ser. E ela foi maravilhosa. No fim eu só tinha duas ou uma certeza: quando amanhecesse voaríamos para Amsterdã. Segui em frente mesmo assim e já faz três anos.