sexta-feira, 24 de junho de 2022

Trivial, mas nem tanto

Deixo para escrever depois porque primeiro preciso ler mais uma vez um conto de Lucia Berlin. Assim uso meu tempo livre que também é contado e mergulho não só em suas palavras como também no que elas me trazem. Amparada pela ideia de que ler é uma forma de escrever, me alivio dessa necessidade que surge incômoda. Enquanto leio penso na escritora Luizza Milczanowski, autora de "O Diálogo", que disse que os pensamentos também escrevem. O livro dela ainda não li mas quero. São tantos os quereres, penso um pouco cansada. Procuro me despertar. Às vezes acredito que posso adiar escolhas. Até virar em mais angústia. Então o desejo declina porque tanto não cabe. Aí, o vazio, nada. E o ciclo recomeça. Escolhas são feitas. Raciocínio lento. Se escrever é uma forma de dizer e se pensar é uma forma de escrever, de ambos os modos alguma coisa se faz. Paz. Abandono por hora minha meditação depois de ler e me concentro em outros aspectos práticos do dia pois preciso. Sobre a mesa vejo o livro "125 brincadeiras para crianças de 1 a 3 anos". O folheio de novo algo divertida com as páginas coloridas e escolho duas ou três atividades infantis para ter em mente. Mães precisam de cartas na manga. Muitas. E aprender sempre. Conheço mãe que acredita ter só aos filhos a ensinar. Mal sabem que assim se afundam em ignorância e afastam de si suas crias. Mas toda mãe merece ser perdoada. Merece, não? Largo de mão minha discussão interna e saio para me exercitar deixando meu pensamento ocupado com brincadeiras que no livrinho da Jackie Silberg descubro e deixo que se desdobrem em mim as suas faces - as faces do brincar. Em casa, alheio às minhas questões, na pia da cozinha, o feijão de molho espera o momento certo de ser cozido, mas eu nem penso nisso. 

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Da lembrança, o forno à lenha

Da cozinha aquecida lembro do forno à lenha da mãe de minha mãe. Da lenha, que áspera, com cuidado, colocávamos portinha de metal toda trabalhada a ferro e fogo adentro do braseiro. E a madeira ligeiro chamuscava. Pontinhos de brasa voavam e voltavam pro chão. Era bonito de ver. Eu me encantava equanto o fogo nos olhos brilhava. Bem ali um inferninho particular que nos servia a todos de maneiras variadas. O fogão aquecia a cozinha e no frio nos aquecíamos também. Seu crepitar sonorizava o café da manhã que era feito cedo. A labuta no campo tem um tempo todo seu que exige. Minha avó era exigida. Feita às águas com açúcar para acalmar.

Agora sento à mesa da minha cozinha também aquecida para escrever. Ainda não chegamos no inverno, mas já uso o aquecedor pela casa. Temos casas que no inverno são frias e no verão calorosas. Apesar de fazer sentido podia ser o contrário mas não é. Assim nos obrigamos a ir em busca de recursos para lidar com a situação e fazemos a economia girar, diria um capitalista. Volto à cozinha. Aqui me sinto acompanhada. De panelas? Dos ingredientes do prato que em seguida devo cozinhar? Pode ser que sim, brinco comigo mesma. Leio um poema de Adélia Prado. Trago o livro de crônicas de Nina Horta à mesa e me sirvo mais um café. 

Lá fora o trânsito do mundo que exige também faz barulho. As pessoas que correm contra o tempo, apressadas, se esbarram. E eu que não estou à espera nem nada, sentada olhando pro relógio, fico em silêncio. Penso em minha avó e a faço reviver Im Memoriam bem aqui, nesse texto, que delicado, sai de mim.  

Margaridas ou crisântemos? Flores do sítio onde morava minha avó