domingo, 7 de fevereiro de 2021

Dentro de mim ninguém entra também

Que o mundo está virado de cabeça para baixo mesmo não é novidade para ninguém. É só prestar atenção nos mais antigos termos "no meu tempo era assim" ou "no meu tempo era assado", que também não era fácil.  Para uma mãe, então, como todas as outras e que só quer o melhor para sua cria, do jeito que as coisas vão indo as preocupações só aumentam. Não há como negar. Assim, preocupada, levo meu filho para vacinar. Ele já tem cinco meses de vida e hoje, dia em que escrevo, é também dia de tomar a vacina meningocócica C. Como consta na página meu calendário de vacinas ela ajuda a proteger contra uma infecção causada pela bactéria Neisseria meningitidis e que, sendo grave, pode levar a morte. 

Mas, por que digo que fui preocupada? Porque tenho medo da distração das pessoas. Tomo então uma decisão. Decido que confio na ciência, na equipe médica também e vou. Levo meu bebê de cinco meses ao ambulatório mais próximo da minha casa para fazer o rápido procedimento e, seguros, voltamos para o lar. 

Esse acontecimento me fez lembrar de um livro cujo título "Dentro de mim ninguém entra" (José Castello e Arthur Bispo do Rosário) me ajuda a pensar que somos nós, em última instância, quem decidimos as ideias que entram e não entram na nossa cabeça. Assim, quando com os olhos li  (tem gente que ainda lê com o coração em dias como os de hoje) "dentro de mim ninguém entra. pensar nessa frase me encheu de uma liberdade esquisita", lembrei também do "jogo da amarelinha" brincadeira de criança que consiste em uma pedrinha ser lançada ao chão pela criança que está a jogar, com vistas a alcançar uma das casinhas desenhadas com giz colorido. Feito isso, ela deve pular sobre as casas vazias, num-pé-só até chegar no céu sem se desequilibrar ou pisar nas linhas. Mas essa lembrança nem faz muito sentido aqui. Foi só um devaneio gostoso de ter. 

Acervo pessoal

Na história ou estória - para quem preferir escrito assim, contada nesse livro de Castello e Bispo, tudo se passa num quarto de hospital onde há um menino supostamente doente. O menino que inicialmente não se apresenta passa a se chamar Arthur I e com esse nome parte para uma aventura imaginada, uma história que ele mesmo conta e escreve enquanto está preso naquela cama de hospital. Que alguém possa inventar e escrever histórias em condições como essas só mesmo em livros! Porque, pudera! Não é fácil estar doente. 

O livro lindamente ilustrado por um artista em sua época não reconhecido como tal, Arthur Bispo do Rosário (1911-1988), pois que viveu boa parte de sua vida como interno do manicômio Juliano Moreira em Jacarepaguá, é, do meu ponto de vista, uma obra de arte que julgo poderia se tornar, imagino, um clássico da literatura infanto-juvenil. Precisamos tanto de livros assim. Importante dizer que o livro é como um manual de sobrevivência em dias difíceis, pode ser lido tanto pelos mais jovens como por adultos. Assim como "Alice no país das maravilhas", ensina a ter coragem e, principalmente, a não fugir da própria solidão, porque entrega ao leitor palavras que podem ser companhia de verdade. 

Pensar essas coisas também me fez voltar mais uma vez à minha estante, onde reencontrei ainda o livro "Arthur Bispo do Rosário: a poética do delírio" da socióloga e historiadora Marta Dantas. Folheando suas páginas fui capturada, por ser tão interessante, pela Parte III deste livro, ela intitulada "A criação do mundo encantado" onde a autora discorre, segundo sua interpretação e dialogando com outros autores, sobre as obras de Bispo, pessoa cuja história-obra vale a pena ser visitada. 

Grazielle Monica G. Pansard. Fevereiro, 2021. 

Lugares visitados para escrever a crônica: 

CASTELLO, José. Dentro de mim ninguém entra / texto José Castello; obras Arthur Bispo do Rosário; Fotos Andrés Otero. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2016. 

DANTAS, Marta. Arthur Bispo do Rosário: a poética do delírio. São Paulo: UNESP, 2009.

FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. Dossiê Arthur Bispo do Rosário. 26 set. 2012. Disponível em < http://www.bienal.org.br/post/351> Acesso em fev. 2021. 

O Ambulatório de Saúde mais próximo da minha casa ;-)


Nenhum comentário:

Postar um comentário