quinta-feira, 7 de abril de 2022

Isla Negra

Chegamos em Isla Legra embaixo de chuva e rajadas de vento forte. Em plena tempestade foi que descemos do ônibus que nos trouxe de Santiago. No local as placas com avisos e setas que indicavam "em caso de tsunami por aqui" me assustaram. Decidi ignorá-las e reconheci ao mesmo tempo uma certa excitação diante delas. Loucura. 

Com a ventania meu guarda-chuva preto virou ao contrário. Segui com passos apressados tentando me desvenciliar do vento que parecia estar em luta comigo como pude. Meu sobretudo também preto foi o que me protejeu um pouco do frio e do aguaceiro que descia com vontade dos céus sobre nossas cabeças. O clima estava sombrio quando chegamos em frente à casa de Pablo Neruda (hoje museu). Meio escuro às três da tarde. Dei graças a deus, me senti abrigada. Pensei que dia para visitar este lugar. 

Ao entrarmos percebemos que a tormenta fizera suspender a energia elétrica. A casa de Neruda, hoje museu, estava mergulhada em escuridão, iluminada apenas por uma e outra luz de emergência. Aos poucos algumas velas foram acesas. "Acabou de acontecer". Deduzimos. E torcendo para que nossa visita não fosse suspensa por causa da falta de energia, fomos até a bilheteria. 

Bilhetes comprados, tudo ok. Adiante com o tour. 

Comecei a achar que aqueles contratempos estavam cooperando para dar mais graça à visita e a fazer com que ficasse mais interessante, afinal, espantando meu mau humor. Sentia as barras das calças ainda úmidas da água da chuva gelando minhas canelas; Meu cabelo arrepiado pelo vento e meu rosto empalidecido deram-me um ar curioso - observei no reflexo do vidro de uma janelinha da casa do poeta. Lá fora o mar que estava agitado me distraiu. Ondas dançantes faziam seu espetáculo pelos ares impulsionadas pelo vento para depois sob a espuma branca escorerrem mansas até a areia fina da praia. As águas do mar se misturavam no ar em gotas com as águas da chuva. 

Dentro do museu em trevas segui bisbilhotando com os olhos os pertecences do poeta que, como tantos, também foi diplomata. Um homem bem relacionado e de maneiras extravagantes, sabia traduzir em palavras suas questões e assim ilumina algumas nossas. Não era em definitivo um simples mortal. Eu o vi como um homem muito forte. Característica que contrasta com uma certa fragilidade que às vezes é atribuída aos escritores e também poetas porque usando sua sensibilidade falam eles muito do que é frágil em nós quase que em um arroubo.  

Depois de ter sido capturada por um par de quadros pendurados numa sala de jantar onde me estendi por um longo tempo, absorta, terminei a visita do lado de fora da casa. Lá havia um pequeno jardim junto à praia onde uma âncora estava meio que enterrada. O vento seguia firme àquela altura queimando minhas bochechas à toda e fazendo meu cabelo voar sem disciplina alguma. Pablo Neruda não gostava de navegar. Talvez a âncora ali representasse seu apreço pela terra firme a despeito da paixão que sentia pelo mar, pode ser que alguém tenha dito. Era o seu jeito de fazer fincar o desejo (no sentido psicanalítico do termo). E esse era um jeito meu jeito de pensar. 

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