quinta-feira, 26 de maio de 2022

A fúria de Noll: isto não é uma resenha

Li a obra "A Fúria do Corpo" do escritor gaúcho João Gilberto Noll depois de participar de um dos encontros online promovidos pela Casa Quarup a respeito do livro e de Noll. Na ocasião, muito especial, em que pude participar, um irmão do escritor também se fez presente enriquecendo ainda mais o encontro com suas palavras e presença. Antes daquele encontro, anos antes, eu já havia lido um artigo do jornalista e também escritor José Castello sobre Noll no seu livro "As Feridas de um leitor", de onde pego emprestado parte do título que leva este texto. E muito provocada por ele, quis ir a uma obra de Noll assim que conseguisse e cheguei hoje, afinal, à A Fúria. 

Já tenho uma história com Noll. 

"A Fúria do Corpo" de João Gilberto Noll (1946-2017) teve sua primeira edição publicada há 40 anos, em 1981. Escrita no fim da ditadura militar no Brasil a obra perfila, em diversos momentos, o modo como também a vida das personagens é atingida pelo regime. Mas esse é apenas um dos aspectos da obra que, em minha opinião de leitora comum, não acho que seja o principal embora atravesse de modo irremediável o centro de enredo: os corpos das personagens. 

Obviamente esta não é uma resenha acadêmica mas a obra de Noll, a quem não sabe, é objeto de estudo acadêmico também e ouro no meio psicanalítico que sempre tem algo a mais a apontar.  O que faz certo sentido porque é bastante difícil ler Noll sozinho. Algum texto de apoio, alguma orientação são eficazes para que o leitor continue firme seu mergulho na obra do referido escritor, que é ampla e rica em sentidos. No google acadêmico podemos acessar alguns desses textos que não são tão inúmeros quanto os de Clarice Lispector, muito popular nas cadeiras de humanas como em Literatura e Filosofia, mas estão lá. Aliás, pensa-se muito em Lispector e também em Virgínia Woolf enquanto se lê Noll. 

Vamos então a um breve resumo que, mesmo sendo incompleto, pode conter spoilers. 

Temos em "A Fúria do Corpo" um narrador-personagem sem nome que habita um contexto caótico e instável: a vida nas ruas da Cidade, Copacabana, onde perambula-se num vai-e-vem frenético tantas vezes sem direção. Esse é o panorama dado ao leitor e é de onde as cenas em que as personagens são constituídas e desveladas surgem em ritmo vertiginoso até o fim do livro. Mas não só isso. Há Afrodite, a coprotagonista, uma espécie de personagem-refletor, que, entendo, é quem dá o nome ao Amor que existe  neste romance difícil. Além desses dois diversos outros personagens aparecem e vão tomando parte nessa estória que não permite que o leitor queira dormir em cima das páginas por ser carregada de aventuras alucinadas e angustiantes que de tão extremas, beiram o fastio. A estrutura em que o texto nos é apresentado, também não passa despercebida. Os longos longuíssimos períodos em parte significativa do tempo sem a pontuação esperada pelo leitor para facilitar a leitura, devolve a ele o trabalho de dar sentido ao texto lido. 

Não sabemos exatamente como o personagem-narrador-sem-nome foi parar no ponto em que o encontramos. Mas mais para o fim da obra há uma menção dada ao que poderia ser sua família, um momento da sua vida de menino em que também o suicício de um primo acontece. Sabe-se, portanto, que há traumas (como na vida de todos, aliás). Mas, fragmentário, o relato nos é narrado e ficamos sem saber se ele é real ou se é um delírio - ficção dentro da ficção - do narrador que parece portar uma linguagem convulsa, quase verborrágica. 

Ler "A fúria do corpo" é mergulhar, sem dúvida, nas entranhas do que pode vir a ser o desejo de alguém e se permitir não sair intocado dele. É, assim, um ato de coragem. 

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