sábado, 21 de maio de 2022

A fúria que escoa

Estou no trânsito. O tráfego intenso me faz parar: é o sinal vermelho. Algo distraída me deixo passar pela cabeça o que fiz no decorrer das horas daquele dia e listo, mentalmente, o que ainda me resta a fazer. 

Ajusto o cinto de segurança lembrando do livro que em horas contadas leio e do qual sinto vontade de desistir. Respeito minha vontade, não a rechaço, mas fracasso na desistência; Decido que vou prosseguir. Até o fim quero ir com essa leitura que me chega difícil e que leio como quem cumpre promessa. É o enredo, digo com voz murmurada enquanto olho os passantes que apressados seguem seu rumo. Qual rumo? Não. São as personagens. Como chegaram no ponto em que estão o autor não deixa claro, só dá pistas. 

Por que não leio autoajuda? Ou, me questiono, por que não me preocupo com meus próprios problemas ao invés de me ocupar das personagens que leio? Tenho contas a pagar também. Imagino o que uma amiga poderia me perguntar se eu contasse meu estado aflitivo de leitora e rio. Rio alto e sozinha. Gosto da sugestão que me dou. Vou marcar um café para poder falar sobre essas personagens que enquanto leio são como se fossem minhas e sossego com a ideia de leitora que se apropria do que lê - sempre que possível. 

Na rádio do carro que dirijo, os comentários do jornalista que ignoro solenemente, toca Maria da Blondie e me aninho no ritmo da música. Aumento um pouco o volume e olho para o céu imenso. Imenso mistério azul sobre nós. O sinal verde me diz que posso avançar. A rua seguinte aparece como uma passagem por onde pode escoar silenciosa a fúria daquele dia que chega ao fim e que nem menciono aqui. A leitura me envolve os pensamentos como retrata o relato desse instante. 

São 18h e o sol já se pôs. Abro as janelas. Deixo o vento passar e bagunçar meu cabelo enquanto percebo alguns pontos brilhantes no firmamento, são as estrelas.   

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